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Jazz CD Reviews, continued (in reverse chronological order)


 
- OSMAR MILITO TRIO – SAMBA JAZZ –
 
SAMBA JAZZ apresenta o trio do consagrado pianista Osmar Milito interpretando composições de Pacífico Mascarenhas, um dos maiores ícones da música brasileira moderna em Minas Gerais. Seus resultados proporcionam apreciar as interpretações de um dos mais inventivos músicos brasileiros de todos os tempos com seu trio investigando parte da prolífica obra de Pacifico Mascarenhas.

O que ainda não foi escrito sobre Osmar Milito ? Pianista, maestro, compositor e arranjador reconhecido internacionalmente, cuja longa trajetória é marcada pela consistência, qualidade, criatividade e talento, é um dos nossos músicos mais festejados e respeitados, marcando presença nos palcos e casas noturnas brasileiras e estrangeiras desde os tempos do lendário Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro. Nesta realização, ele é assessorado por Augusto Mattoso (baixo) e Rafael Barata (bateria), dois dos melhores e mais talentosos músicos da nova geração que há tempos tocam com ele, desenvolvendo-se um entendimento e uma interação invejáveis, tocando, pensando e interagindo como uma única célula.  

Osmar Milito começou sua carreira em 1964, acompanhando Sylvinha Telles, Leny Andrade, Nara Leão, Paulo Moura, Edison Machado, Rosinha de Valença, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Jorge Ben, Elis Regina e Pery Ribeiro, chamando a atenção para o seu talento. Viajou para o México e os Estados Unidos, onde residiu dois anos, tocando em shows e concertos com o conjunto de Sérgio Mendes. Regressou ao Brasil nos anos 70, atuando com inúmeros artistas, entre eles Ivan Lins, Nana Caymmi , Spanky Wilson, Mark Murphy, Marcio Montarroyos, Hélio Delmiro, Mauricio Einhorn, Mauro Senise, Paulinho da Costa, Nico Assumpção, Paschoal Meirelles, Liza Minelli, Tony Bennett, Sarah Vaughan, Sammy Davis Jr., Pat Metheny, Shelly Manne, Randy Brecker, Cláudio Roditi, Hendrik Meurkens, Paulo Moura, Nivaldo Ornellas, e Carlos Malta – um autêntico who's who da música brasileira e internacional.  

Numa época em que vários pianistas são exaltados como autênticos fenômenos por seu virtuosismo exacerbado, Osmar Milito sempre foi avesso a extroversões, embora sua técnica nada deva a qualquer outro. O autodomínio das suas improvisações repletas de forma e estrutura, seu supremo bom gosto e acentuado feeling, além do inerente balanço de execução, são pontos eminentes da sua fecunda criatividade. Seu talento indiscutível comprova ser um improvisador que explora as facetas melódico-harmônicas de cada canção com emoção, nuances e sutilezas. Tudo provém da sua imaginação, retendo o essencial e descartando os clichês, o óbvio e o supérfluo. Suas interpretações revelam ampla variedade musical repletas da exploração de sons e acentuações bruscas, alternando passagens com acordes mais complexos e intrincados, frases em blocos, além da intensa e constante interação com Augusto Mattoso e Rafael Barata.      

Pacifico Mascarenhas é um dos músicos mais conhecidos em Minas Gerais. Compositor, arranjador, letrista, produtor de discos e concertos, além de diretor artístico do Minas Tênis Clube e empresário da indústria têxtil, é um ícone da bossa nova em seu estado, tendo gravado uma série de discos históricos com seu conjunto Sambacana, dando início ao movimento bossanovista em Belo Horizonte. Pacifico foi o primeiro músico brasileiro a lançar um disco independente, em 1958, intitulado "Um Passeio Musical"; cujo sucesso originou a série de seis LPs "Sambacana na EMI Odeon": Com tantas realizações em diversas atividades, o termo polivalente cabe-lhe como uma luva. Autor de centenas de músicas, suas composições foram gravadas por Luiz Eça, o argentino Jorge Cutello, o americano Cliff Korman, Tito Madi, Claudete Soares, Nara Leão, Juarez Moreira, Isaura Garcia, Os Cariocas, Eumir Deodato, Ana Caram, Renato Motha, Paula Santoro, Marina Machado, Milton Nascimento, Suzana e Bob Tostes, Sonia Delfino, Aécio Flávio, Célio Balona, Beto Lopes, Coral de Ouro Preto, Alberto Chimelli, Trio Irakitan, Luiz Cláudio, Robertinho Brandt, Sérgio Santos e Osmar Navarro – uma respeitável lista. No momento em que redigimos estas notas, Pacifico Mascarenhas foi homenageado no Festival Tudo É Jazz, de Ouro Preto, com um concerto em tributo à sua música. Entre os inúmeros CDs com suas canções destacam-se "Belo Horizonte Que eu Gosto" (com participação da nata de cantores e músicos mineiros), "Bossa Jazz" vol. I e II (do pianista Cliff Korman), "Luiz Eça Trio" (último registro fonográfico do pranteado pianista) e "Bem-Vindo ao Rio" (composições em homenagem aos Jogos Panamericanos recém-realizados). Suas composições revelam uma alma romântica da qual desabrocham belas melodias eivadas de intenso lirismo, qualidades predominantes na obra da geração que forjou a bossa nova. Tal como alguns dos seus pares da bossa nova, tudo indica que ele também segue a máxima de Duke Ellington que "a simplicidade é o primeiro passo para as grandes realizações". 

A música fala por si. O trio absolutamente integrado dispensa a cada melodia um tratamento de alta musicalidade, sem os excessos e exibicionismos que infestam a maioria das produções atuais. A essência da música está na comunicação entre intérpretes e ouvintes. Essa interação é realizada através do conhecimento que eles possuem de melodia e harmonia, além do superior instinto musical requerido para esta forma de arte, expressando seu talento como autênticos artesões musicais.  

A fluência e o balanço do clássico Belo Horizonte Que Eu Gosto, Bem-Vindo ao Rio (com fluente solo de Augusto Mattoso), Começou de Brincadeira, Minha Ex-namorada (com  passagens ebulientes e complexas de Osmar), O Jogo (melodia ritmicamente insinuante evocando longinqüamente João Donato), Saudades de um Fox-Trot (de suingue generoso revivendo os bons tempos em algum lugar do passado) e Foi Assim (Osmar dá seu toque pessoal, com Mattoso e Barata absolutos na integração do trio) são tratamentos ultra-sincopados com momentos marcantes repletos de entusiasmo e continuidade.  

O tratamento lírico-reflexivo do clássico Praça da Savassi (no qual o trio esparge uma atmosfera evocativa da música romântica européia), Pode Ser (valorizado pela concepção pessoal de Osmar), Olhando Estrela no Céu (Osmar esbanja introspecção e lirismo), Di (outro clássico), Manhã Já Vens (notem o superlativo acompanhamento de Barata com as escovinhas), são impregnados de delicadeza e tintas tonais, realçando seus perfis melódicos com inventividade, bom gosto e suprema sensibilidade. . 

O elevado nível das interpretações dispensa maiores comentários e análises, deixando para o ouvinte a tarefa de exercitar sua percepção e suas reações esquadrinhando as maravilhas que o trio perpetuou neste lançamento.  .    

--José Domingos Raffaelli (jornalista, crítico de jazz e música brasileira, radialista, produtor, escritor, professor, redator de textos de discos e programas de televisão)

Setembro de 2007 




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Artist(s):  João Donato and Bud Shank

Title:  "Uma tarde com Bud Shank e Joao Donato"/"An Afternoon with João Donato and Bud Shank"

Date of release:  March 2007

Label:  Biscoito Fino [Brazil]

Category:  Jazz

Verbatim liner notes as written by Jóse for the album:

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Album review:

Uma tarde com Bud Shank e João Donato

Tudo começou em 1965, em plena efervescência da bossa nova, quando o saxofonista-alto Bud Shank e o pianista, compositor e arranjador João Donato gravaram o álbum Bud Shank and His Brazilian Friends, em Los Angeles. Depois não se viram até 2004, quando, indicado por mim, Shank veio ao Brasil para o Chivas Jazz Festival.

Informei a boa nova ao crítico Antonio Carlos Miguel, que sugeriu que Shank e Donato revivessem aquela parceria. Toy Lima, o diretor do festival, aprovou a idéia, Shank concordou e eles tocaram Café com Pão. Com o sucesso do reencontro, a pedido de Donato, Shank adiou seu regresso para gravarem no Rio. O resultado está neste CD gravado em 8/9 de maio de 2004.

Foi um encontro memorável no qual esbanjaram criatividade, emoção e entusiasmo. O entendimento foi instantâneo, a música fluiu com total interação, entregando-se ao sabor da evolução de suas imaginações. Shank e Donato são acompanhados por Luis Alves (baixo), Robertinho Silva (bateria) e Eloir de Moraes (percussão) em algumas faixas. O repertório inclui composições de Donato, Cal Tjader e quatro standards.

Gaiolas abertas, originalmente intitulado Silk Stop, recebe um tratamento relax sobre um ritmo bouncing latino-brasileiro; Shank inicia seu solo com frases de escalas desdobradas e Donato exibe seu vasto cabedal rítmico-harmônico.

O som de Shank assume um tom pungente em Joana, sublinhado por Donato em cada inflexão e variação, sustentando seu solo impregnado de lirismo e delicadeza. Shank expõe Black Orchid com acentuado lirismo no qual seu sax literalmente canta a melodia, embarcando numa exploração repleta de variações sugestivas, seguido por Donato, que exibe sua imaginação aparentemente inesgotável. Após introdução de piano em Minha Saudade, Shank expõe a melodia com frases articuladas, prelúdio de uma extensa improvisação; o solo de Donato é um autêntico poema tonal, lírico e introspectivo. Donato abre o caminho em Night and Day para Shank desenvolver frases que são variações temáticas e extensões harmônicas da peça. Shank fragmenta a melodia de But Not For Me antes de suas evoluções imaginativas.

O acompanhamento de Donato com acordes percussivos contrasta com o relax patriarcal do seu solo. Shank volta desacelerando a andamento, dando novo sabor à interpretação. There´ll never be another you é levado em ritmo de bossa nova. Mais uma vez, Donato exercita um dos seus artifícios favoritos - a citação de outras músicas - e Shank aprimora os embelezamentos melódicos de suas frases.

Em Yesterdays aflora a empatia e a afinidade entre os líderes dissecando as harmonias do clássico de Jerome Kern.

O sucesso dessas gravações motivou o reencontro de Bud Shank com João Donato, em novembro de 2006, para dois concertos no Mistura Fina, quando também foi gravado um DVD, que será lançado pela Biscoito Fino.

José Domingos Raffaelli (Crítico de jazz e música instrumental brasileira) - "O Tempo", "International Magazine” e Revista MusicNet – Fevereiro de 2007



Artista: Karrin Allyson

Título: Ballads: Remembering John Coltrane

Data de lançamento: 22/05/2001

UPC: 01343149502

Categoria: Jazz

Crítica: KARRYN ALLYSON ---- BALLADS: REMEMBERING JOHN COLTRANE

Karrin Allyson é uma das cantoras-revelações dos anos 90, possuindo alto sentido interpretativo, feeling e suingue. Ela também gosta de música brasileira, tendo gravado Faltando Um Pedaço, Catavento e Girassol, O Pato, O Barquinho, Coração Vagabundo e Inútil Paisagem. Em Ballads: Remembering John Coltrane, um tributo ao pranteado saxofonista, ela interpreta o repertório do álbum Ballads, gravado por Coltrane nos anos 60. Estas baladas ensejam à cantora dar-lhes uma nova perspectiva, embora sem alterar sua essência melódica, não deixando dúvida ser ela uma das maiores expressões do jazz-vocal atual.

Com James Carter e Bob Berg (sax-tenor), Steve Wilson (sax-alto), James Williams (piano), John Patitucci (baixo) e Lewis Nash (bate ria), além da própria Karrin ao piano em I Wish I Knew, ela reafirma ser uma autêntica "contadora de histórias" através de suas interpretações. Karrin recria Say It, Nancy e All Or Nothing At All (sucessos de Frank Sinatra nos anos 40), tem um vocal sem palavras que sai direto do coração em Naima, esparge sentimento em You Don't Know What Love Is, What's New, Why Was I Born ? e Every Time We Say Goodbye, dá novas conotações a Too Young to Go Steady e se supera na bela melodia de letra triste da canção de fossa I Wish I Knew. Karry Allison cantou no Brasil em 1996, mas sua presença foi quase totalmente ignorada pela grande maioria da imprensa nacional. É hora de darmos atenção a essa intérprete e esse disco de baladas é um bom começo.

José Domingos Raffaelli



Artista: Dave Douglas

Título: Soul On Soul

Data de lançamento: 08/02/2000

UPC: 09026636032

Categoria: Jazz

O trompetista Dave Douglas é um dos jazzmen em maior evidência da atualidade. Possuindo uma cultura musical enciclopédica, ele usa sua técnica superlativa,sensibilidade, imaginação aparentemente ilimitada e espírito aventureiro para criar improvisações provocantes e explorar novos caminhos. Soul On Soul (BMG/RCA Victor) reitera sua concepção. Seu grupo, integrado por Chris Speed (clarinete e sax-tenor), Greg Tardy (sax-tenor e clarone), Joshua Roseman (trombone), Uri Caine (piano),.James Genus (baixo) e Joey Baron (bateria), atua inteiramente integrado ao líder. As 13 faixas dão uma idéia do que Douglas é capaz, com ampla variedade composicional e improvisações de alto calibre. O repertório abriga quatro composições de Mary Lou Williams, a pianista que sempre inspirou o trompetista: a ritmicamente complexa Aries, interpretada em dois climas diferentes; o blues Mary's Idea, com passagens de transição entre os solos e uma entrada esfuziante de Douglas; Waltz Boogie, com excitante exploração de Douglas e extraordinário acompanhamento da seção rítmica; e o blues latino Momma, aberto pelo insinuante baixo de Genus. As demais são de autoria do trompetista: Blue Heaven alterna-se entre o latino e o andamento 4/4 básico do jazz; a faixa-título, influenciada por Charles Mingus, tem de quase tudo um pouco, das linhas melódicas paralelas à harmonização mingusiana e uma passagem em stride de Uri Caine; Moon of the West destaca o colorido do clarone de Tardy e o complexo acompanhamento de Baron; a introspectiva Canticle é enriquecida por texturas harmonizadas, além de um longo e reflexivo solo de Caine; a algo abstrata Multiple, sem tempo definido, proporciona imensa liberdade aos solistas; a balada Kyrie contrasta com a movimentada Zonish, esta com sugestivas passagens de Tardy e Douglas. Um ótimo disco para apreciar as virtudes de Dave Douglas, cuja estrela não pára de subir no firmamento jazzístico.

José Domingos Raffaelli



Artista: Ian Shaw

Título: In A New York Minute

Data de lançamento: 05/10/1999

UPC: 02521892972

Categoria: Jazz

IAN SHAW ---- IN A NEW YORK MINUTE

Poucos conheciam o cantor inglês Ian Shaw quando ele chegou aos Estados Unidos para gravar In A New York Minute (MIlestone). Depois do dIsco editado, foi imediatamentre reconhecido como um dos melhores novos cantores do jazz. Em termos de fraseado, Shaw lembra o veterano Mark Murphy, com muita bossa e um suingue à flor da pele, além de um senso rítmico acentuado; ele também usa efetivamente o scat vocal como meio de expressão adicional. Acompanhado por Cedar Walton (um dos mais inventivos pianistas de jazz), David Williams (baixo) e Ian Ballamy (sax-tenor), Shaw coloca em ação todas as suas virtudes. A julgar por parte do repertório, ele ouviu muitos discos de Frank Sinatra dos anos 30, 40 e 50, ressuscitando Shake Down the Stars e reinterpretando All Or

Nothing At All, que Sinatra gravou com Harry James, em 1939, A vibrante música-título, pouco conhecida, logo mostra a extroversão e força rítmica de Shaw. Ele projeta seu lado emocional no bluesy Standing in the Dark. Wouldn't It Be Loverly parece ter sido feita para ele e dá conotações jazzísticas a Furry Sings the Blues, da cantora-compositora pop Joni Mitchell. Ele também aproxima-se do idioma soul em Grandma's Hands. O álbum termina com cinco músicas associadas a Sinatra (além de All or Nothing At All e Shake Down the Stars, ouvimos No One Ever Tells You, Last Night When We Were Young e That's Life), porém sem qualquer traço de imitação, o que é um crédito ao jovem cantor. Com este CD, Ian Shaw projetou-se definitivamente como um dos melhores vocalistas de jazz da nova geração, ao lado dos já consagrados Kurt Elling e Kevin Mahogany.

José Domingos Raffaelli


Artista: Charlie Haden/Geri Allen/Paul Motian

Título: Montreal Tapes

Data de lançamento: 27/01/1998

UPC: 73145374832

Categoria: Jazz

Critica:

O lendário baixista Charlie Haden foi homenageado pelo Festival de Jazz de Montreal, em 1989, tocando oito concertos com formações diferentes. Charlie Haden/Geri Allen/Paul Motian: The Montreal Tapes (Verve) documenta seu encontro com Allen (piano) e Motian (bateria). Haden, que atuou com Ornette Coleman, Don Cherry, Paul Bley e Dewey Redman, e liderou a Liberation Music Orchestra e o Quartet West, é um dos maiores baixistas do jazz nas últimas quatro décadas. A música deste disco é provocante, algumas vezes complexa, repleta de surpresas e quase sempre fascinante.

As seis faixas, de autoria dos integrantes do trio, retêm a atenção do ouvinte pela execução brilhante do trio com constante exercício da interação. Embora Haden seja o líder, Geri é a mola-mestra, o foco central de atenção, dominando as interpretações; sua execução é exploratória, direcionando suas improvisações ao terreno pós-bebop, utilizando ciclos modais e passagens de free jazz. Blues in Motian, de Haden, de harmonias complexas, mostra uma avalanche de idéias da pianista superiormente alinhavadas. Fiasco, de Motian, é um tema de vanguarda, com Gerri inteiramente à vontade e longos solos de Haden e Motian. Na balada First Song, do líder, Allen estabelece um clima impressionista sustentado por Haden num longo solo. A personalidade de Allen domina Dolphy's Dance, de sua autoria, com alusões a Thelonious Monk, além de um magistral acompanhamento de Motian. For John Malachi, composição de Allen em homenagem ao pianista que atuou com a big band de Billy Eckstine dos anos 40 e Sarah Vaughan, é uma melodia algo pungente, de muita sensibilidade. In the Year of the Dragon, de Motian, mostra o trio no auge da interação, desenvolvendo sua capacidade de entendimento coletivo com absoluto senso de direção.

José Domingos Raffaelli


Artista: Lennie Tristano/Warne Marsh

Título: Intuition

Data de lançamento: 15/10/1996

UPC: 72438527712

Categoria: Jazz

LENNIE TRISTANO/WARNE MARSH ----INTUITION

O pianista Lennie Tristano (1919-1978) foi um dos músicos mais originais do jazz. Desde os anos 40, sua concepção avançada expandiu substancialmente os horizontes harmônicos do jazz. Suas composições, de melodias, harmonias e ritmicamente extremamente complexas, apresentam tantas dificuldades que poucos se atrevem a tocá-las. Por isso, o estilo criado por Tristano ficou restrito aos seus discípulos, entre eles os saxofonistas Lee Konitz, Warne Marsh e Ted Brown, pianistas Ronnie Ball, Sal Mosca, Liz Gorrill e Connie Crothers, guitarrista Billy Bauer e alguns poucos mais. Lennie Tristano/Warne Marsh - Intuition (Capitol) oferece duas sessões importantes: o sexteto de Tristano, de 1949, e um quinteto comandado por Marsh, de 1956.

Marsh e Ted Brown (ambos no sax-tenor) espelham a admirável facilidade técnica de execução através de frases intrincadas, mesmo nos andamentos mais velozes, com constante interplay e idéias estimulantes. A balada Lover Man é um dos pontos altos da sessão, mas as outras faixas também oferecem solos lúcidos e excitantes. As seis faixas do sexteto de Tristano são antológicas, com o líder, Lee Konitz (sax-alto), Marsh (sax-tenor) e Billy Bauer (guitarra) em soberba forma. As passagens mais que ebulientes dos dois saxofonistas em Sax of a Kind e Wow são inenarráveis. Nesta última, Konitz e Marsh tocam em perfeito uníssono sua dificílima e intrincada linha melódica numa velocidade espantosa como jamais ouvimos. Ainda a observar que Intuition e Digression, gravadas sem tema delineado, arranjo ou qualquer planejamento, registram os primeiros exemplos de jazz de vanguarda da história, nascidas da mente criativa de Lennie Tristano.

José Domingos Raffaelli


Artista: Rahsaan Roland Kirk

Título: We Free Kings

Data de lançamento: 25/10/1990

UPC: 04228264552

Categoria: Jazz

Se existe um músico que possa ser chamado de "o homem dos sete instrumentos", é Roland Kirk. Ele tocava sax-tenor, clarinete, flautas, stritch, manzello, instrumentos de percussão e até apitos e sirene. Stritch (com som de sax-soprano) e manzello (com som de oboé) são instrumentos híbridos que só ele tocou. Além disso, o que pode parecer impossível, ele tocava simultaneamente sax-tenor, stritch e manzello, soando como uma seção de saxofones. Por isso, alguns o criticaram como músico de circo ao ouví-lo tocar esses instrumentos estranhos, mas ele foi um jazzman autêntico, original e supertalentoso.

We Free Kings (Emarcy) projeta os múltiplos talentos de Kirk, que num único solo encarna o passado, presente e futuro do jazz, com inequívoco feeling negróide. Ouvir Kirk é uma experiência fantástica que se renova a cada audição. Dois exemplos da sua concepção original na flauta estão nos blues Three For the Festival e You Did It, este com efeitos vocais, incluindo expressões guturais. Blues For Alice, em duas versões, mostra Kirk no auge do seu entusiasmo, tocando simultaneamente tenor-stritch-manzello. As baladas The Haunted Melody e Moon Song sublimam o lirismo de Kirk, e em Some Kind of Love, em andamento 3/4 de valsa, ele faz alusão ao estilo de Sonny Rollins no sax-tenor.

Neste CD, gravado em agosto de 1961, Kirk é acompanhado por duas seções rítmicas de primeira: Richard Wyands (piano), Art Davis (baixo) e Charlie Persip (bateria) em Sack Full of Soul, Blues For Alice e My Delight; nas demais, Hank Jones e Wendell Marshall substituem Wyands e Davis, respectivamente. Roland Kirk merece a atenção dos verdadeiros jazzófilos.

José Domingos Raffaelli


A Traditional Jazz Band homenageia a Era do Swing em álbum duplo

José Domingos Raffaelli

Artista: Traditional Jazz Band

Título: Swing Era

Gravadora: TJB - Independente

Resumo/Crítica

Desde 1964, a Traditional Jazz Band é uma das maiores forças do jazz no Brasil, desde 1964. Com longa folha de serviços, incluindo festivais no exterior, a TJB lança este CD duplo recriando temas da Era do Swing com arranjos próprios explorando a sonoridade do grupo com a flama, descontração e o balanço de sempre. Integrada por Austin Roberts (trompete), Alexandre Arruda (trombone), Marcos Monaco (clarinete e sax-tenor), Edo Callia (piano), Dudu Bugni (banjo e violão), Carlos Chaim (baixo) e Cidão LIma (bateria e washboard), oferece um programa mesclando standards e canções populares. As 20 faixas proporcionam bons momentos. "Mr. Sandman", uma canção quadrada dos anos 50, interpretada no estilo dixieland, abriga o vocal dos músicos da banda em uníssono com um toque humorístico a despretensioso. "After You've Gone", em surpreendente andamento lento, "Ï've Heard That Song Before" também à la dixieland, "Avalon", emulando um tratamento da era pré-swing, "Chattanooga Choo-Choo" e Ïn the Mood", aqui intitulado "Edmundo" (ambos com versões humorístcas em português) mostram a versatilidade da banda. Em "Out of Nowhere", o saxofonista Marcos Monaco repete a frase inicial de Coleman na gravação feita em Paris, em 1937, enquanto Dudu Bugni emula a guitarra de Django Reinhardt.


Flavio Henrique, Marina Machado e o trio

Amaranto orgulham nossas tradições musicais

Artista: Flavio Henrique, Marina Machado e Amaranto

Título: Flavio Henrique por Marina Machado e Amaranto - Aos olhos de Guinard

Gravadora: Independente

Resumo/Crítica

Esse disco é uma amostra da criatividade de artistas mineiros de real talento que deveriam ser conhecidos em todo Brasil, reunindo o compositor, violonista e arranjador Flavio Henrique, a cantora Marina Machado e o trio vocal Amaranto, integrado por Flávia, Lúcia e Marina Ferraz. Flavio Henrique foi um dos quatro vencedores do Prêmio BDMG-Instrumental, importante evento realizado em Belo Horizonte, em abril de 2001. Este CD de nível excepcional, gravado ao vivo, apresenta repertório com 13 composições de Flavio e seus diversos parceiros interpretadas por Marina e o Amaranto. As músicas e os arranjos de Flavio são valorizados pelas vozes privilegiadas e harmoniosas do naipe feminino, dando coloridos adicionais às interpretações. Este é um disco notável em toda sua duração e, por dever de justiça, não podemos destacar qualquer faixa porque todas, sem exceção, oferecem vocais expressivos de Marina, harmonizações audaciosas do Amaranto e irrrepreensíveis acompanhamentos da banda de Flavio Henrique, com o líder (violão), Marcelo Parizzi (flauta), Murilo Antunes (sax-tenor), Ricardo Fiúza (teclados), Kiko Mitre (baixo) e o fabuloso Esdras Ferreira (bateria, o Kenny Clarke brasileiro).

Relativamente pouco divulgada no eixo Rio-São Paulo, a cena musical mineira sempre foi e continua sendo das mais férteis do nosso país. Tem toda razão o letrista Murilo Antunes em seu texto no encarte do CD, que prazerosamente transcrevemos: "A diversidade e a inspiração de Flavio Henrique não passam despercebidas. E o que acarinha nossos ouvidos é a jovialidade das meninas do Amaranto com o ouro lapidado da voz de Marina. Esse disco tem a força de quem ama o que faz. Quem ouvir, verá" Este é um triunfo artístico, uma realização da maior seriedade e bom gosto que eleva a arte musical aos seus maiores cumes, a milhares de anos-luz à frente da poluição sonora que assola o país. Discos como esse restauram nossa fé na juventude musical brasileira, que cria música com M maiúsculo para orgulho das nossas verdadeiras tradições.

José Domingos Raffaelli

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A imortal Billie Holiday em gravações de programas de rádio

Artista: Billie Holiday

Título: Billie's Blues

Gravadora: Nikita

Resumo/Crítica:

Para o maioria dos músicos e conhecedores, Billie Holiday foi a maior cantora de jazz de todos os tempos. Em sua trajetória entrecortada de dor e sofrimento, ela deixou uma obra de gravações antológicas. Este lançamento oferece 16 registros de "Lady Day" originários de programas de rádio, ao lado de vários trios e da orquestra de Coiunt Basie.. A qualidade das gravações deixa a desejar, mas as interpretações de BH transbordam de emoção e sentimento. No repertório, alguns dos seus clássicos como "God Bless the Child", "My Man", "Billie's Blues", e "Lover Man". O release da Nikita contém um sério erro ao informar que estes registros são inéditos, mas foram lançados 8 (oito) vezes no Brasil nos últimos 25 anos, em LP e CD pelos selos Imagem e CID.

José Domingos Raffaelli


Atlantic Jazz: Best of the '60s - Volume 1

Gravadora: Rhino/WEA

Resumo/Crítica:

Como em quase toda coletânea, a gangorra dos altos e baixos predomina nestas gravações de alguns expoentes do elenco Atlantic dos anos 60. As 13 faixas flutuam ao sabor dessa irregularidade que impulsiona a qualidade para cima e para baixo. Entre as melhores, destacam-se "Equinox", um blues com o quarteto de John Coltrane; "Volunteered Slavery", um libelo de liberdade do multinstrumentista Roland Kirk; o vibrante "Ecclusiastics", com o conjunto de Charles Mingus; e o blues básico "Groovin'", com o saxofonista Hank Crawford.

Das faixas, digamos, intermediárias, ouvimos com indiferença "In the Evening", com Yusef Lateef destilando o blues no oboé; "Summertime", com o Modern Jazz Quartet soando algo desinteressado; e Üna Muy Bonita", com o quarteto original de Ornette Coleman. Entre as sem interesse, figuram a longa e cansativa "Comin' Home Baby", paradoxalmente o maior sucesso de Herbie Mann; a voz estridente do pianista Mose Allison em "Stop This World"; e, como farinha quase do mesmo saco, "With These Hands", cantada pelo pianista Les McCann, "Sombrero Sam", uma tentativa latina mal-alinhavada pelo quarteto de Charles Lloyd (na flauta) e "Listen Here", com o irritante sax-eletrônico de Eddie Harris.

José Domingos Raffaelli


Michael Brecker perde-se na tentativa de tocar baladas

Artsita: Michael Brecker

Título: Nearness of You - The Ballad Book

Gravadora: Verve/Universal

Resumo/Crítica:

Michael Brecker é um saxofonista-tenor esfuziante, arrojado, cuja técnica altamente desenvolvida impressiona pela alta velocidade das suas frases que parecem preparadas com a precisão de um computador, levando alguns críticos a considerarem sua execução mecânica. "Nearness of you - The ballad Book" (Verve/Universal) é um projeto de Brecker diferente dos anteriores, focalizando um dos aspectos menos conhecidos da sua execução: as baladas. Para esta sessão, ele convocou Pat Metheny (guitarra, que também é o produtor do CD), Herbie Hancock (piano), Charlie Haden (baixo) e Jack DeJohnette (bateria). A sonoridade de Brecker é completamente diferente quando toca baladas, soando algo arrastada, embora em algumas faixas ele consiga um razoável nível de execução. A escolha do repertório não foi das mais felizes. Exceto por "Chan's Song" (de Hancock), "Nascente" (de Flávio Venturini/Murilo Antunes), os standards "My Ship", "Always" e a faixa-título, as outras seis - de Brecker, Metheny, James Taylor e Joe Zawinul - são de exígua essência melódica, soando como pequenos fragmentos ou meros sketches. Como de hábito, as recentes produções Verve incluem cantores pop, um toque comercial para atingir o grande público. Aqui foi escolhido James Taylor, projetando as asperezas desagradáveis do seu timbre de voz nasalado e duvidosa entonação.

Ele está aceitável na sua "Don Let Me Be Lonely Tonight", mas naufraga irremediavelmente no clássico "The Nearness of You". O caso de Metheny é outro departamento. Músico de formação pop que granjeou imensa popularidade, há muito tenta afirmar-se como jazzman. Apesar de alguns apressados o consideraram guitarrista de jazz, sua sonoridade fusionista da linha pop, com efeitos de guitarra sintetizada, prova que seu idioma é outro, aqui confirmado mais uma vez com solos inconsistentes. Muitos lembrarão que ele gravou com Ornette Coleman e Roy Haynes, mas seu fraseado é quase sempre linear e pouco imaginativo, com mínimas variações tonais e rítmicas, desprovido das essenciais características jazzísticas. Para os acreditam ser ele um jazzman, a prova conclusiva está na faixa "Giant Steps", do CD "99 - 2000", na qual ele se perde inteiramente nas harmonias do difícil tema de John Coltrane, uma tentativa infrutífera muito acima da sua capacidade. Hancock, Haden e DeJohnette formam a seção rítmica homogênea, fornecendo um acompanhamento discreto, de bom gosto. Hancock contribui com solos efetivos e bem-estruturados. Apesar das restrições, o CD poderá agradar aos menos exigentes, mas Michael Brecker está a anos-luz de distância de baladistas do quilate de Ben Webster, Coleman Hawkins, Lucky Thompson, Don Byas, Dexter Gordon, Johnny Hodges, Paul Gonsalves, Stan Getz, Paul Desmond ou Benny Carter.

José Domingos Raffaelli



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